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Schwanke faz arte sofisticada a partir de objetos ordinários do cotidiano

“Brasilidade” (1988), obra feita de bananas de plástico com a qual o artista conquistou o prêmio aquisição do 10º Salão Nacional de Artes Plásticas, no Rio de Janeiro

Texto de Néri Pedroso

Baldes, bacias, mangueiras, lavador de arroz, grampos para varal de roupas – objetos ordinários do cotidiano que inspiram um artista catarinense, nascido em Joinville, a criar obras de arte provocadoras que levam muitas pessoas a questionar: afinal, isso é arte? Sim, é, tanto que Luiz Henrique Schwanke (1951-1992) tem seu nome inscrito na história da arte brasileira como uma das mais importantes representações contemporâneas que alcança reconhecimento também por suas pinturas e desenhos. Na instigante produção, engendra sete trabalhos em que adota a energia elétrica como um dos seus componentes. Nos anos 1980, conquista cerca de 30 prêmios em salões nacionais, sobretudo com telas que ficam conhecidas como “Linguarudos”.

Por sua importância, a vasta produção de Schwanke pode ser vista até 1º de agosto, no Olho do Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba (PR). A mostra “Schwanke, uma Poética Labiríntica” reúne exatos 399 trabalhos, boa parcela apresentada de modo inédito com curadoria da professora e doutora Maria José Justino. A iniciativa aproxima o Museu de Arte Contemporânea Luiz Henrique Schwanke (MAC Schwanke) e o MON.

Natural de Joinville, Schwanke dá os primeiros passos de sua carreira em sua cidade, mas refina procedimentos e concepções artísticas nos 15 anos em que vive e estuda na capital do Paraná, entre 1970 e 1985, onde se forma em comunicação social pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e também atua na publicidade, no teatro como ator e cenógrafo.

Com viagens e estudos constantes, aprimora linguagens e técnicas que incorpora na vastidão de uma produção desenvolvida em cerca de três décadas. No fim dos anos 1970 sobressaem os desenhos que ressignificam obras renascentistas e barrocas, nos anos 1980 faz pinturas gestuais expressivas e arte conceitual, nos anos 1990 cria instalações em que adota a energia elétrica como matéria-prima. Na segunda fase conquista cerca de 30 premiações nacionais, sobretudo com as pinturas, os “Linguarudos”, e a série “Brasilidade”, prêmio aquisição do ambicionado 10° Salão Nacional de Artes Plásticas, promovido pela Funarte, no Rio de Janeiro em 1988.

     Para dar conta de “um ponto fora da curva”, como a curadora denomina Schwanke e sua produção, ela recorre a teóricos como Umberto Eco, Merleau-Ponty, Gaston Bachelard, Friedrich Nietzsche e Walter Benjamin. Dentro do Olho e do jardim, monta um labirinto em rede, em núcleos. Cada obra com sua autonomia, mas em diálogo com as demais, em profundo entrelaçamento.

A envergadura temporal alcançada na exposição permite compreender o refinamento dos conceitos do artista que se dizia obcecado pelo claro-escuro em direta referência à história da arte. A montagem abrange trabalhos das três décadas de atuação, reúne séries distintas como os “Linguarudos” – os mais conhecidos, desenhos, pinturas, obras criadas com baldes, maletas, mangueiras e pregadores de roupas no varal. Inclui também os “Uróboros”, pinturas sobre papel criadas em 1985, e os “Torsos”, pintados no mesmo ano sobre sulfite, os “Sonetos”, “Cristos” e os “Shorts”.

Ao morrer precocemente em 1992, Schwanke deixa uma produção vasta composta por cerca de 5 mil peças entre desenhos, pinturas, instalações, esculturas e projetos que resultam em inúmeras exposições individuais, coletivas e salões. Suas obras integram acervos de museus do Paraná, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Também a fase minimalista com trabalhos complexos, a começar pela instalação “A Casa Tomada (de Júlio Cortazar) por Desenhos que Não Deram Certo e Apogeu do Claro-escuro Pós-Caravaggio”, criada em 1980 para a Galeria Sergio Milliet, da Funarte, no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Pela primeira vez, Curitiba recebe a montagem em que Schwanke retoma nos desenhos a obra de Canova, Leonardo da Vinci, Renoir, La Tour, e Caravaggio. No centro do espaço expositivo, 500 metros de papel branco amassado e um velho projetor de cinema. Outro trabalho que contempla o uso de energia elétrica é a instalação “Claro-escuro” (1990) composta de plotagem da obra “A Deposição de Cristo”, de Caravaggio, ferro, 24 spots de luz e 24 espetos de churrasco.

A seleção inclui ainda uma proposta de land art, movimento artístico dos anos 1960 que funde arte e natureza. “Cobra Coral”, obra emblemática, está montada no jardim do MON. O mais lúdico dos trabalhos do artista, é criado em 1989 para ser colocado, entre outros lugares, na ilha Feia de Piçarras (SC), o mais alto possível, e na Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Essa é sua décima primeira montagem, a segunda no MON.

Schwanke embaralha arte e ciência, tempo e espaço, luz e ausência, transparência e luminosidade. Um conjunto tão expressivo da produção alinhada a diferentes correntes e linguagens, da Pop Art ao Neoexpressionismo, Concretismo, Construtivismo e ao Minimalismo pede um passeio até Curitiba – dentro das normas sanitárias.

Sobre Schwanke

Nascido em Joinville, em 1951, desde a tenra infância demonstra pendor artístico. Formado em comunicação social, vive 15 anos em Curitiba (PR), onde amplia conhecimentos e práticas em torno das artes visuais com um pensamento inquieto e quase obsessivo sobre questões do claro-escuro. Dono de uma produção impactante que não se sujeita a uma única rotulação, conduz a carreira com profissionalismo, potencializa o saber jornalístico em seu próprio proveito, faz viagens internacionais de estudos, lê teóricos fundamentais. A partir de meados de 1985, quando volta a morar com a mãe Maria Francisca, em Joinville, dilui as fronteiras entre centro e periferia, demonstra que, em movimento, é possível estabelecer articulações potentes e obter reconhecimento nacional. Seu nome está inscrito na história da arte brasileira.

 

Sobre Maria José Justino

Mestre em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1983), doutora em estética e ciências das artes pela Universidade de Paris VIII (1991) e com pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris/2008) vive e atua em Curitiba (PR), onde tem larga contribuição no campo das artes visuais. Seu vasto currículo aponta inúmeras curadorias, premiações e livros.

 

Sobre o MAC Schwanke

Criado em 2002, o Museu de Arte Contemporânea Luiz Henrique Schwanke, mantido pelo Instituto Schwanke, filiado ao Ministério do Turismo e ao Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), tem o compromisso de zelar pela memória de Schwanke e oferecer possibilidades de aprimoramento intelectual em torno da arte contemporânea. Com esse fim, organiza seminários, encontros de discussão, cursos e palestras com pesquisadores, críticos e artistas.

 

Serviço

O quê: Mostra “Schwanke, uma Poética Labiríntica”

Quando: Até 1º.8.2021, terça a sábado, 10h às 18h (venda de ingressos e acesso até 17h30. Quarta gratuita, 10h às 18h.

Onde: Museu Oscar Niemeyer (MON), rua. Mal. Hermes, 999, Centro Cívico, Curitiba (PR), tel: (41) 3350-4400

Quanto: R$ 20/R$ 10 (professores e estudantes com identificação; doadores de sangue; pessoas com deficiência; titulares da ID Jovem; portadores de câncer com documento)

Realização: Museu Oscar Niemeyer (MON) e Museu de Arte Contemporânea Luiz Henrique Schwanke (MAC Schwanke)

  1. “Brasilidade” montada no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba

Alena Marmo/Foto Divulgação

  1. Escultura de baldes de plástico apresentada em 1994, em São Paulo, na mostra “Bienal Brasil Século 20”

Paulo de Araújo/Foto Divulgação

  1. “Sem Título”, obra apelidada como “Bebê”, é feita de lavadores de arroz

Kraw Penas/Foto Divulgação

5.”Cobra Coral”, montada em Curitiba, é a mais lúdica das obras de Schwanke

Kraw Penas/Foto Divulgação

  1. Escultura de baldes vermelhos que pode ser vista no MON, em Curitiba, até 1º de agosto

Kraw Penas/Foto Divulgação

  1. “Mandala” (1989) feita com mangueiras de plástico azul

Paulo de Araújo/Foto Divulgação

  1. “Linguarudo”, pinturas que consagraram o artista nos anos 1980

Peninha Machado/Foto Divulgação

9.Retrato de Schwanke feito na casa da mãe Maria Francisca

Paulo de Araújo/Foto Divulgação