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Estudantes de Arquitetura lançam manifesto

No documento eles pedem que sejam suspensas as cobranças de aluguel nesses meses de isolamento, quando as famílias já passam por tantas necessidades. Muita gente perdeu o trabalho ou teve sua atividade laboral reduzida. esse é um tempo em que a solidariedade deveria prevalecer. Os estudantes, vinculados ao Centro Acadêmico Livre da Arquitetura, tem ao longo da história de Florianópolis uma larga caminhada junto às comunidades de ocupação e de periferia.

MANIFESTO PELA ISENÇÃO DA COBRANÇA DOS ALUGUÉIS

Este é um manifesto produzido pelo Centro Acadêmico Livre de Arquitetura da Universidade Federal de Santa Catarina pela reivindicação de que seja decretada a suspensão da cobrança de aluguel durante o período em que se faz necessário o afastamento social. 

Em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), a população brasileira recebe a recomendação do Ministério da Saúde de entrar em estado de quarentena. A necessidade mundial de paralisação das atividades produtivas agrava, no Brasil, o que já estava sendo traçado: uma crise econômica, um aumento do desemprego e uma situação insustentável para os trabalhadores informais. Sob a falsa dicotomia entre a economia e a vida, os trabalhadores sofrem com a aceleração do aumento da exploração da força de trabalho e com a retirada de direitos, medidas político-econômicas que já eram linha política do atual governo. Estas medidas servem para garantir que os lucros dos capitalistas sejam ininterruptos, mesmo que isso custe a vida da população. 

Com o intuito enfrentar esta pandemia, é necessário seguir as recomendações do Ministério da Saúde que regulamentam condições de isolamento e quarentena. Para que isto seja efetivo, é fundamental que todos tenham garantia da alimentação e da permanência da moradia. Aos 19,3 milhões de brasileiros que pagam aluguel (IBGE, 2019), estes direitos se tornam ainda mais cruciais. Caso isto não seja assegurado, haverá o desrespeito da recomendação do distanciamento social e o aumento da propagação do vírus. Entretanto, percebemos que as atuais medidas político-econômicos promovidas pelo governo se apresentam de forma insuficiente e não apresentam preocupações reais com a garantia desses direitos. 

A exemplo disso, no dia 1º de abril, o governo sancionou, através do PL 1.066/2020, o Programa de Auxílio Emergencial que visa à contemplação de um auxílio financeiro de R$600 durante três meses destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados. Notamos que esta cifra é destoante do cálculo apresentado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), o qual resulta no valor de R$4.483,20 para o salário mínimo nominal e necessário no Brasil. Com o valor disponibilizado pelo governo, se torna inviável arcar com as despesas dos itens de necessidade básica do dia a dia, tais como alimentação, higiene e medicamentos. Além disto, existem brasileiros que ainda precisam desembolsar o preço do aluguel que, nas capitais e cidades grandes – onde se concentra maior parte da população -, é regido pela alta exploração da renda da terra. 

Outra ação adotada no dia 1º de abril foi a Medida Provisória 936/2020, que tem como complemento o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Esta MP permite ao empregador a redução proporcional da jornada de trabalho e dos salários de seus funcionários, além de suspender-lhes temporariamente o contrato de trabalho. Aqueles afetados pela MP receberão o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda que tem como teto o valor de R$1.813,03. Entretanto, a ausência da garantia do emprego para os trabalhadores é uma grande lacuna encontrada nesta MP. Aqueles que hoje são contemplados pelo seguro-desemprego provavelmente ficarão sem renda alguma, uma vez que há grandes chances de que o período de benefício seja encerrado antes do final do estado de calamidade. Já aqueles que sequer recebiam este seguro, possivelmente não se enquadrarão nas regras de beneficiamento da Renda Básica Emergencial. O trabalhador, mais uma vez, encontra-se em uma situação onde não existem garantias de que arcar com suas despesas será possível. 

Percebemos que estas medidas não apresentam alívios para os gastos mensais dos trabalhadores, além de serem apresentadas como pretexto de preservação do emprego e da renda, beneficiando majoritariamente os empregadores. Por isso, reivindicamos, neste Manifesto, a isenção da cobrança de aluguéis durante o período em que se faz necessário o afastamento social. Para tanto, é necessário que haja um aporte legal que vá além do que propõe o Código Civil no seguinte artigo:

“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”

A atual pandemia, então, se caracteriza como uma situação que não foi prevista e não é controlável. O que se propõe como amparo legal oferecido pelo Código Civil é insatisfatório, uma vez que a decisão existente é a de que haja bom senso entre as partes contratantes. Porém, sabemos que, como a ausência de pagamento não beneficia o locador, muito provavelmente, enquanto não houver obrigação legal, este não irá ceder e haverá o risco de despejo. A moradia é um direito fundamental para a vida do homem, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Além disso, desde 1988, é um direito social garantido pela Constituição Federal. Por isso, entendemos que ela é fundamental para garantir a privacidade e a dignidade humana, além de ser essencial para redução de circulação do vírus durante a pandemia. Portanto, nesta situação, torna-se necessária a criação de um decreto que ampare, de fato, o trabalhador. 

A reivindicação apresentada neste Manifesto já é realidade em alguns países que passam pelos surtos de Covid-19. A suspensão ou congelamento de aluguéis surgiu como alternativa para que o impacto financeiro da crise destes países diminua e a população tenha condições de se manter em quarentena. Países latino-americanos como a Venezuela e El Salvador, por exemplo, já efetivaram medidas desse cunho e vêm tomando outras medidas socioeconômicas importantes para o momento atual. Nayib Bukele, presidente de El Salvador, anunciou a suspensão de luz, água, gás e o prorrogamento dos aluguéis – além de definir que seus valores serão regulados para que um possível aumento não prejudique aqueles mais vulneráveis. Já na Venezuela, além de o governo assumir o salário dos trabalhadores, proibir demissões e suspender contas de luz, água e gás – também ocorrerá a suspensão dos aluguéis por 6 meses, tanto aqueles de uso comercial como os de moradia principal. 

Em um contexto bastante diferente desses países latino-americanos, diversos governos Europeus também adotam medidas semelhantes. Na França, por exemplo, Macron anuncia a anistia de contas básicas: luz, água, gás e aluguel. Já o governo italiano suspendeu o pagamento de hipotecas, proibiu demissões por dois meses, ofereceu auxílio financeiro aos trabalhadores autônomos afetados e subsídios aos desempregados. No Reino Unido também anunciou-se a suspensão no pagamento de hipotecas por três meses e auxílio às pequenas empresas. 

Enquanto isso, na Espanha, foi convocada uma greve de aluguéis a partir de abril, impulsionada por sindicatos, na esperança de pressionar o governo para que aconteça a suspensão destes e que assim, muitas famílias de pequenos comerciantes e trabalhadores autônomos consigam superar este quadro sem sofrer grandes impactos. O governo espanhol, até então, estabeleceu uma moratória sobre pagamentos de hipotecas, ajuda financeira aos trabalhadores independentes e empresas com perdas graves, isenção de pagamentos à previdência social, suspensão dos cortes de água e serviços de internet. Nessa diretriz, as ações tomadas nos países citados ressaltam a necessidade de medidas que garantam direitos básicos em meio à crise sanitária e financeira. Considerando a crise a longo prazo, outra medida essencial que deve ser pautada é o congelamento no preço dos aluguéis.

A exemplo disto, Berlim, capital alemã, antes mesmo da pandemia, optou por essa ação. Na cidade, o aumento da procura e venda de imóveis para grandes empresas de capital aberto tem levado a um crescimento explosivo no valor de locação – que chega a 104% – o que, consequentemente, obrigou muitos a deixarem a cidade. O governo local reagiu ao problema aprovando, no início de 2020, a proposta de congelar os aluguéis na cidade por cinco anos. Além disso, ainda planeja-se estatizar apartamentos que pertencem às empresas com mais de 3 mil imóveis na cidade. Isto posto, notamos que grandes cidades e capitais concentram elevado fluxo de serviços, produção e circulação de mercadorias, pessoas e capital. Estes fatores fazem com que haja maior especulação com o preço da terra e consequentemente se concretize a forma capitalista de ocupação urbana. 

Exemplo disso é Florianópolis, pólo tecnológico e capital catarinense, onde muitos são atraídos pelas oportunidades de emprego atreladas à expectativa de uma cidade que teoricamente forneceria melhor qualidade de vida aos seus cidadãos – iludidos pelo “mito da ilha tropicalizada”. Desse modo, conformam-se na cidade, áreas com mais infraestrutura e desenvolvimento. Para os trabalhadores que não têm como arcar com o preço da terra, resta ocupar territórios irregulares onde não chegam equipamentos básicos para se viver de forma digna. Percebemos, portanto, que o Brasil não é uma exceção à grande maioria dos países que sofre com a especulação sobre o preço da terra.

Por conta disso, a deliberação pelo congelamento dos preços de aluguéis já foi uma realidade no país. Determinada pela primeira vez em 1891 pelo então presidente Floriano Peixoto, a medida foi apresentada como combate aos especuladores. Esta medida aproximou o governo da classe média urbana no Rio de Janeiro, evitando revoltas populares na capital federal. Uma medida semelhante foi promulgada em 1942, quando Getúlio Vargas anunciou um decreto-lei que congelava, por dois anos, o preço dos aluguéis de residência. Doze anos depois, em 1964, João Goulart anunciava, entre outras medidas, novamente o congelamento do preço dos aluguéis. Dezoito dias após o comício, fez-se o golpe militar. Após este período, o Brasil encarava uma das maiores crises econômicas da história. Em 1986, o então presidente José Sarney apresentou o Plano Cruzado como uma tentativa de combater a inflação. Neste plano, o congelamento dos preços de aluguéis também foi decretado. A proposta mais recente apresentada a fim de suspender o aumento dos aluguéis foi feita em 2018 pelo Deputado Federal Jean Wyllys. No projeto de lei (PL 9577/2018), atualmente arquivado, o prazo para o reajuste dos aluguéis comerciais ou residenciais seria ampliado para trinta meses.

Como já ocorrido anteriormente, portanto, em um processo de iminência de crise e recessão, os aluguéis poderão sofrer, após a pandemia, transformações negativas. Para massa de trabalhadores que terá o desemprego e a redução de sua renda como realidade, esta situação se apresentará de forma ainda mais intensa. Portanto, como arquitetos e urbanistas, ou futuros praticantes da profissão, devemos entender nosso papel político ao lutar pela isenção dos aluguéis e pela garantia de moradia digna para todos os trabalhadores brasileiros, especialmente nesse momento de vulnerabilidade.

O Centro Acadêmico Livre de Arquitetura da Universidade Federal de Santa Catarina cumprimenta as entidades de Arquitetura e Urbanismo, todos os arquitetos e urbanistas e estudantes do curso e os convida a apoiar e divulgar este Manifesto.

Florianópolis, 22 de abril de 2020. 

Centro Acadêmico Livre de Arquitetura.

1 comentário em “Estudantes de Arquitetura lançam manifesto”

  1. Eros Marion Mussoi

    Prezados, a tese do Centro Acadêmico Livre de Arquitetura da Ufsc, é importante mas merece amplos cuidados. O recebimento de aluguel no nosso país, tem particularidades que devem ser consideradas. Por exemplo, no caso (não raro) de idosos, aposentados ou não, que tem imóvel e alugam a outras pessoas, como forma de complementar sua insuficiente aposentadoria ou como formação direta de renda para manter suas famílias (às vezes até com filhos/as desempregados). Também é o caso de famílias, mulheres independentes, viúvas, que possuem imóvel, e o alugam como forma de conseguir uma forma única de renda familiar.

    A questão é bastante complexa, e assim deve ser analisada. A proposta apresentada é respeitável, mas bastante genérica.

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